ESPORTE, SAÚDE E LAZER

Novo texto assinado por Cristiano Hoppe Navarro traz conceitos e informações curiosas

Texto: Cristiano Hoppe Navarro / Arte: João Paulo Alencar / Edição: Hugo Costa


O que é criatividade? Quais são as características da criação? Como se dá o processo criativo? As respostas para essas e outras questões estão no segundo texto sobre criatividade que integra a Série Esporte, Saúde e Lazer. Embarque nessa leitura e entenda mais sobre esse valor que, desde sempre, move a humanidade.


Leia o texto anterior aqui.

 

Teorias


1. Eureka é o passado em grego do verbo infinitivo heuriskéin, significando “Descobri!”. Virou interjeição graças à história de Arquimedes de Siracusa, desafiado pelo rei Hierão a comprovar sua suspeita: o seu ourives misturara prata ao ouro de sua coroa, para baratear os custos. Ao analisar o problema numa banheira, o matemático se deu conta de que a água subiu quando ele entrou e que ele estava mais leve à medida que o corpo afundava. Como a prata é menos densa, pesava menos na água que o ouro puro. Diz-se que Arquimedes saiu às ruas nu, gritando “Eureka!”.



2. Novidade e valor (ou originalidade e adequação). São essas as características consensuais para a criatividade. Além disso, há sempre um indivíduo, um domínio (a área na qual se cria) e um campo (pessoas estabelecidas no domínio a legitimar ou não a criação). Os quatro P’s ou os cinco A’s também explicam os elementos envolvidos. São a pessoa, o processo, o produto e as pressões. Ou, pela sequência, o ator, a ação, o artefato e, equivalendo às pressões, a audiência e as “affordances” (oportunidades).

 

A “Mona Lisa”, do polímata Leonardo da Vinci, expõe seu sorriso enigmático no Museu do Louvre. Imagem: Wikicommons

3. Podemos distinguir três reações comuns à um produto, ou artefato, criativo: o ah, o ahá e o haha. A primeira onomatopeia é uma expressão de satisfação estética na arte, como quando contemplamos a “Mona Lisa”. A segunda está mais relacionada à resolução racional de problemas na ciência e na engenharia, como Isaac Newton ao decifrar a lei da gravitação universal. A última tem origem na surpresa, como a provocada pelos humoristas, vide a eleita melhor piada do mundo:

 

Dois caçadores estão em um bosque, quando um deles desmaia. Ele parece não estar respirando e seus olhos estão vidrados. O outro caçador pega o telefone e liga para a emergência: “Meu amigo está morto! O que faço?”. O atendente responde: “Calma, eu te ajudo. Primeiro, temos que ter certeza de que ele está morto”. Há um silêncio, e então um tiro é ouvido. De volta ao telefone, o cara diz: Pronto, e agora?”.


4. A neurociência é um dos domínios de pesquisa ascendentes, devido à avanços em tomografia e ressonância magnética. A neurocientista Carla Tieppo afirma que o hemisfério cerebral esquerdo lida com o conhecido e o direito com o novo, com facilidade em reconhecer padrões inéditos. Quando um objeto é conhecido pelo hemisfério esquerdo e retorna para o direito, dá-se liberdade para criar novas ideias e usos para si. Recentemente, a neurociência comprovou que metodologias de aprendizagem ativas (debater, colaborar, reinventar, perguntar, especular, associar, solucionar) são muito mais eficazes para o aprendizado e a criatividade do que o tradicional método no qual um professor fala e os alunos escutam e memorizam.


Trabalho e ócio

 

Metodologia ativa: nuvem de palavras (ligadas à criatividade, com turma 2019 do curso do autor). Imagem: arquivo pessoal

5. Alguns autores falam em quatro etapas do processo criativo: preparação, incubação, insight e verificação. Enquanto a primeira é em grande parte a absorção de “matéria-prima” e reflexão com a qual se possa fazer associações, a última é quando a ideia é submetida ao teste de validação do campo: a hora de checar se ela funciona. O insight é a manifestação de uma ou várias ideias: a iluminação do momento Eureka. Essas fases não são necessariamente lineares, interagindo entre si de maneira complexa.

 

6. O estágio de incubação é inconsciente. Dar tempo ao tempo é a base para a filosofia de Domenico De Masi, o ócio criativo, que, antes do que fazer nada, significa permitir-se praticar hobbies e atividades que agucem a criatividade. Goswami chama de “fazer-ser-fazer-ser-fazer” o entrejogo do consciente e inconsciente, em referência ao “Do be do be do” de Frank Sinatra. As ideias que surgem em sonhos são outra evidência desse processamento inconsciente. O químico Friedrich Kekulé sonhou com uma serpente agarrando a própria cauda, que o inspirou a prever a forma de anel da molécula do benzeno.

 

7. O aleatório tem também seu papel, mas é preciso estar em movimento para dele se beneficiar: a sorte é diretamente proporcional ao trabalho. Alexander Fleming descobriu a penicilina acidentalmente em 1928. O médico saiu de férias esquecendo na sua mesa culturas de bactérias que pesquisava e, ao voltar, viu que elas estavam contaminadas por mofo. O bolor, do gênero Penicillium, continha uma substância capaz de matar bactérias como as estafilococos, que salvou milhares de vidas.

 

Diversidade

 

Einstein, uma vida dedicada à criatividade: “quem nunca errou nunca experimentou nada novo”

8. Poderia Albert Einstein ter escrito Dom Quixote, Miguel de Cervantes ter driblado Mazurkiewicz sem a bola e Pelé proposto a Teoria da Relatividade Especial?

Uma discussão entre os pesquisadores é se a criatividade é ou não específica de um domínio. Existem pessoas que alcançaram grandes realizações criativas em mais de um domínio, os chamados polímatas, como Aristóteles, Leonardo da Vinci e – quem sabe nos anos recentes – Steve Jobs. Hoje, essas pessoas voltam a ser valorizadas, com o generalismo novamente em alta frente à especialização. Além de resolver questões planetárias como o aquecimento global, esforços transdisciplinares, misturando domínios, são mais aptos a produzir inovações.

 

A criatividade espacial de Santos Dumont: o 14-Bis, avião mais pesado que o ar, decolou por si só. Imagem: Wikicommons

9. A inteligência divergente é um dos componentes mais importantes da criatividade. Ao contrário da inteligência convergente (encontrar A resposta), é a capacidade de criar várias respostas diferentes. Ellis Torrance, o pai das pesquisas em criatividade, já investigava essa habilidade nas primeiras avaliações elaboradas para medi-la.

 

10. Imagine uma sala de aula com Santos Dumont, Clarice Lispector, Stephen Hawking, Lady Gaga, o casal Simone de Beauvoir e Jean-Paul Sartre, Barack Obama, Chico Mendes e Marta. As inteligências espacial, linguística, lógico-matemática, musical, intrapessoal e existencial (sob dúvida), interpessoal, naturalista e corporal-cinestésica são inteligências múltiplas listadas pelo psicólogo educacional Howard Gardner. Uma vez que, como disse Einstein, “criatividade é a inteligência se divertindo”, podemos falar também em criatividades múltiplas. No próximo artigo vamos abordar a criatividade corporal, principalmente no esporte. Eureka!

 

Criativo, Cristiano Hoppe Navarro é idealizador do futmanobol, esporte que mescla modalidades como futebol, basquete e vôlei. O autor é graduado em educação física e jornalismo e mestrando na Faculdade de Educação (FE).